sábado, 19 de julho de 2014

Acordo Ortográfico continua a dividir especialistas, governantes e sociedade civil



O Acordo Ortográfico (AO) continua hoje a dividir especialistas, governantes e a sociedade civil nos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), surgindo mesmo pedidos de revogação, suspensão ou revisão deste por setores do bloco lusófono.

O Acordo Ortográfico começou a ser negociado em 1975 e foi assinado em 1990 pelos países de língua oficial portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e, posteriormente, por Timor-Leste (independente desde 2002).

Ratificado por todos, exceto Angola e Moçambique, entrou em vigor em 2009 em Portugal e no Brasil, mas prevendo um período de adaptação, durante o qual são aceites as duas grafias.

Após o prolongamento o prazo inicialmente previsto, de três anos, esse período terminará agora em 2015, tanto em Portugal (maio) como no Brasil (dezembro).

Segundo Gilvan Müller de Oliveira, diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), ligado à CPLP, “Cabo Verde já iniciou a implementação do AO, sobretudo com os livros didáticos nas escolas”.

Para o diretor executivo do IILP, que também é linguista, a revogação, anulação ou suspensão do AO seria uma "grande derrota" para a comunidade lusófona e para a ideia de uma língua portuguesa comum.

“O Acordo conta agora com um instrumento de qualidade (o vocabulário ortográfico comum – VOC, elaborado pelo IILP nos últimos quatro anos) para a sua boa aplicação”, referiu o responsável do instituto, acrescentando que já foi finalizado o portal do professor de português língua estrangeira/língua não materna.

O diretor executivo do IILP considerou que “é normal que os Estados tenham tempos diferentes de aplicação do AO e decidam, porque são soberanos, se este tempo é mais curto ou mais longo e por quais áreas da sociedade a aplicação da nova ortografia deve começar”.

Para Müller de Oliveira, o AO “abre muitas portas”, citando o exemplo do projeto das terminologias técnicas e científicas comuns da língua portuguesa, “que deve ser em breve iniciado pelo IILP”.

As principais críticas ao AO do linguista brasileiro Ernani Pimentel - que já esteve em vários países lusófonos para apresentar uma proposta de simplificação da língua portuguesa e a abertura de um debate alargado sobre o tema - são “o desalinhamento no tempo” e a falta de compromisso “com a realidade atual”.

Os “nossos países e povos merecem uma ortografia metodicamente organizada, lógica, racional e objetiva, para facilitar a escrita e a leitura, erradicar o analfabetismo e elevar finalmente os seus patamares científicos, artísticos e comerciais a níveis nunca antes atingidos”, referiu Pimentel.

“A ortografia com base nos parâmetros deste século XXI e na situação em que nossos países se encontram é a alavanca mais eficiente e barata para essa evolução”, sublinhou Pimentel, também coordenador do Grupo de Trabalho Técnico, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal brasileiro.

Para Ernani Pimentel, o AO “reflete o mundo e o pensamento persistentes nas ditaduras de Brasil e Portugal”.

“Nunca foi abertamente discutido, sequer com os seus agentes mais importantes, os professores. Prestigiados países africanos, assim como o Brasil, conduzem processos de alfabetização em várias línguas regionais, buscando criar um sistema ortográfico moderno, com base na linguística comparativa e aplicada”, declarou ainda Pimentel.

Em janeiro de 2013, vários especialistas em linguística e outros cidadãos portugueses enviaram uma carta ao ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, na qual exigiram a revogação do AO, que qualificam de “desconchavado, pessimamente fundado e inútil".

Os ministros da Educação de Angola e de Moçambique pediram também, durante uma reunião setorial da CPLP, realizada em abril, em Maputo, que o AO incorpore as "especificidades" linguísticas de cada um dos Estados-membros da comunidade lusófona.

Lisboa, 19 jul (Lusa) 

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